01/04/2021

Promessas de ‘net zero’ precisam ir além do marketing, diz CEO da Klabin

Para Cristiano Teixeira, governo e empresas precisam se mexer antes da COP6, em novembro, por um mercado de carbono que monetize as florestas brasileiras

Única empresa brasileira a participar dos debates do setor privado que antecedem a próxima conferência do clima da Organização das Nações Unidas, marcada para novembro, a Klabin está encarregada de convencer o maior número de companhias brasileiras a se comprometerem a se tornar neutras em carbono.

Mas não serve qualquer compromisso.

“Fico muito impressionado com esse vale tudo que está acontecendo. Quem parar para analisar vai ver que muito do que está sendo dito é puro marketing. Afinal, qual a instituição independente que vai validar a sua autoproclamação?”, diz o CEO da Klabin, Cristiano Teixeira.

Para aderir ao compromisso perante a ONU, é preciso que os compromissos de redução de emissões sejam definidos seguindo os critérios da Science Based Target Initiative (SBTi), que faz uma auditoria das metas e ações propostas para aprovar ou não o plano.

Além de lançar a campanha Race to Zero no país para engajar as empresas, a companhia está em conversas com a Rede Brasil do Pacto Global da ONU para “democratizar o chamado”, segundo Teixeira.

A ideia por trás da iniciativa é adotar critérios científicos para limitar o aquecimento global a 1,5°C.

Em 2019, a Klabin foi uma das primeiras empresas brasileiras a aderir, mas ainda sem se comprometer a ser neutra em carbono até 2050 — passo que foi dado no início deste mês.

Na verdade, hoje a companhia já é carbono-positiva, porque suas áreas de florestas nativas e plantadas capturam CO2 mais que suficiente para compensar as emissões industriais.

Mas os esforços são no sentido de descarbonizar a operação o máximo possível, para só então se buscar compensar o que resta.

Em conversa com o Reset, Cristiano Teixeira disse considerar que existe uma chance de 50% de a COP26 conseguir entregar um acordo para se criar um mercado global de carbono.

E, na sua opinião, é hora de governo e empresas brasileiras se mexerem para influenciar no resultado. “Temos que tentar influenciar, no sentido republicano da palavra, para que as florestas no Brasil sejam monetizadas. É legítimo que seja.”

Para ele, a despeito de posturas de governo, o Brasil será chamado ao debate por sua relevância no tema. “Espero que a postura do governo brasileiro respeite esse protagonismo que existiu até hoje.”

A Klabin integra o grupo do setor privado que discute a preparação da próxima conferência do clima, em Glasgow, em novembro. O que se discute?

O objetivo principal é trazer mais empresas para o objetivo da neutralidade do carbono em suas operações. Como convencer o maior número de empresas do Brasil a se comprometer com o net zero, por meio das regras do Science Based Target.

Temos visto cada vez mais empresas anunciando ‘pledges’ de se tornarem neutras em carbono. Mas muitas vezes as metas não vêm acompanhadas de um plano concreto. E, a bem da verdade, quem lidera as empresas hoje não estará à frente delas em 2050. Tem um vale tudo acontecendo? O que é necessário que uma empresa apresente além do compromisso?

Eu fico muito impressionado com esse vale tudo que está acontecendo, com todo mundo se autoproclamando neutro. Parte de quem lê isso nos jornais pode achar interessante, mas quem parar para analisar vai ver que muito do que está sendo dito é marketing.

Afinal, qual a instituição independente vai validar a sua autoproclamação? Aceitar e medir a forma pela qual você se propõe a ser neutro? Tem que se montar num cavalo. A Klabin aposta no Science Based Targets. A gente busca essa validação e essa é a recomendação da própria ONU e da COP26. É ali que a gente acredita que o jogo vai ser jogado.

Em relação à COP26, existe uma grande expectativa de que se destrave a discussão da criação de um mercado global de carbono, com a regulamentação do chamado Artigo 6 do Acordo de Paris. Quais são as chances?

Vai sair a regulamentação do Artigo 6? Essa COP está sendo focada na neutralidade de carbono, o que é positivo. Agora, existe uma chance, que talvez seja de 50%, de isso se tornar um mercado mesmo. Tenho uma preocupação, que é preocupação e oportunidade ao mesmo tempo. Se você for cobrar 10, 20, 30, 40 dólares por carbono compensado de quem precisa compensar, muitas empresas, especialmente no hemisfério Norte, terão problemas de geração de caixa. No caso da Klabin, se eu começasse a multiplicar o carbono que capturamos, haveria uma receita futura.

A Klabin já disse que quer transformar serviços ambientais e créditos de carbono em receita no futuro. Vocês fazem projeções?

Em geral, a gente prefere falar dos nossos investimentos em bioeconomia. Mas temos o sequestro de carbono que poderá vir a ser monetizado. Quanto? Não colocamos isso nas nossas projeções financeiras. No entanto, já colocamos na nossa projeção estratégica. O que sair da COP26 em relação ao artigo 6 vai dar segurança para colocarmos ou não a monetização futura da Klabin.

Supondo que se saia de COP com regulamentação do Artigo 6, como fica o Brasil, que ainda nem criou o seu mercado regulado de carbono?

Haveria um acordo multilateral, a ser assinado pelo Executivo. Na sequência, tem que se propor ao Congresso uma regulamentação local. Na minha leitura, a existência de um mercado nacional regulado anterior seria positivo no sentido de que teria gerado massa crítica, mas todos esses mercados no mundo todo terão que sofrer um ‘de para’ na medida em que se chegue a esse acordo multilateral. Então, não vejo o Brasil atrás. As questões a serem debatidas são se as metas nacionais são adequadas ou se a corda tem que ser mais esticada. Mas o fato de ainda não termos um mercado regulado não me parece uma desvantagem.

Mas se o governo não tem se mobilizado para a questão climática de forma geral, vai se mobilizar para ser signatário do acordo multilateral para um mercado de carbono?

Lá em 1992 o Brasil foi locomotiva desse assunto. Obviamente, a gente torce todos os dias para que o Brasil se mantenha nesse papel, reconhecido em qualquer fórum internacional. Sei que somos criticados pelo desmatamento ilegal, com razão, mas qualquer debate sobre o clima sem o Brasil, tenho segurança para falar, perde importância. O mundo chamará o Brasil para essa conversa, a despeito de governos. Eu espero que a postura do governo brasileiro respeite esse protagonismo que existiu até hoje e que a gente saiba se comunicar de uma forma ampla nas Nações Unidas. Vários países, como Nova Zelândia, têm protagonismo por sua postura, mas em números não são tão representativos como o Brasil. A realidade vai se impor. Em breve, por exemplo, nenhuma empresa no mundo vai ser considerada séria se não tiver um bom comportamento e rigor nas suas metas de neutralidade de carbono.

A dúvida é se vai haver mesmo essa postura do governo. Qual a chance de o Brasil se comprometer a ser ‘net zero’?

Se não for, na minha humilde opinião, é uma leitura geopolítica errada, uma interpretação equivocada do mundo em que a gente vive. Sem dúvida o Brasil tem que ser net zero. A opinião pública vai dizer. A realidade vai se impor para o governo brasileiro e ele entende a geopolítica e vai reconhecer isso como sendo bom para o país.

O que seria um modelo ideal de mercado de carbono regulado? Obviamente sabendo que seu olhar é de uma empresa doadora e não tomadora de créditos.

Por bem ou por mal, estamos inseridos no mercado global. Neste momento, como governo e como empresas, temos que tentar influenciar, no sentido republicano da palavra, para que as florestas no Brasil sejam monetizadas. É legítimo que seja.

O Brasil há muitos anos preserva suas florestas, isso precisa ser reconhecido. Teremos que seguir o que vai sair da COP26. Até lá, cabe a nós tentar influenciar para que seja respeitada nossa posição como país detentor de florestas.

De que adianta o Brasil ter um mercado local de carbono? Seria desperdício de energia. Só faz sentido para o Brasil, com sequestrador de carbono, fazer negócios com o hemisfério Norte para a compensação deles.

Mas, se houvesse um mercado local, não haveria a possibilidade de a Klabin vender seus créditos para outras empresas emissoras?

Hoje existe o mercado voluntário de carbono. Mas, veja, somos signatários do TCFD e nossa meta é baseada na ciência. Quando vamos para outras empresas — e não é demérito de ninguém — nem toda empresa tem um protocolo que permita classificar unidades [de CO2]. Vamos fazer um contrato? Baseado em quê? Infelizmente, as empresas no Brasil ainda não têm toda a clareza necessária sobre o tema, nós também não temos. Como precificar algo sobre o qual você não tem clareza?

A gente se apoia no SBT, mas para isso ser um produto ou não, precisa haver um acordo global, ser uma commodity global. Para que o produto tenha liquidez e valor, precisa ter um padrão global e tem que ter legislação aprovada no Brasil.