28/02/2024

Aprender com o passado, reinventar o futuro

O mundo atravessa uma reorganização das cadeias de suprimento, convive com tensões econômicas e assiste à quebra de paradigmas com a inteligência artificial



Não há mais espaço para atividades econômicas desassociadas do binômio produzir e preservar. Se queremos mitigar a emergência climática, impulsionar o desenvolvimento sustentável e garantir um futuro viável a esta e futuras gerações, há que se transformar a economia global.



O mundo atravessa uma reorganização das cadeias de suprimento, convive com tensões econômicas entre grandes potências como Estados Unidos e China e assiste à quebra de paradigmas com o advento da inteligência artificial. Ao mesmo tempo, a humanidade busca alternativas para descarbonizar as atividades produtivas frente à crise do clima.



Em cenário complexo e desafiador, o Brasil pode despontar como um dos faróis a iluminar o caminho para um futuro sustentável – se souber transformar suas potencialidades em melhoria da qualidade de vida de seus habitantes. Nessa caminhada, entretanto, ainda temos dever de casa a ser feito. Não podemos mais tolerar ilegalidades como desmatamento, grilagem e garimpo.



A maior floresta tropical do mundo está em nosso território, assim como a maior biodiversidade, e concentramos 12% das reservas de água doce do planeta. Nossa matriz energética já é 47% renovável, índice invejável à maior parte dos países. Temos sol, vento e uma experiência notável com biomassa. Temos imenso potencial como berço de soluções baseadas na natureza, que indicam caminhos sólidos para o desenvolvimento sustentável.



Uma dessas promissoras rotas é a da bioeconomia, modelo em que a natureza é fonte e inspiração para desenvolvimento de tecnologias e produtos sustentáveis com alto potencial de rentabilidade. Tais princípios já guiam, há décadas, setores como o de árvores cultivadas. Trata-se de um dos fatores que explica o sucesso dessa indústria.



Em 2023, o valor das exportações do agronegócio atingiu o recorde nominal de US$ 167 bilhões, segundo dados do Secex. Representamos o quarto item na balança de exportações do pujante agro brasileiro, enquanto ocupamos cerca de 1% do território do país. Foram 18 milhões de toneladas de celulose exportadas, sendo 49% à China, 24% à Europa, e 15% à América do Norte.



Outro número de chamar atenção é o aumento da produtividade. Na Klabin, a produção de madeira por metro cúbico por ano de pinus passou de 24 m³/ha/ano na década de 1970 para 45 m³/ha/ano. Já a produtividade média das áreas de cultivo de eucalipto em todo setor de árvores cultivadas no país foi de 10 m³/ha/ano para 33 m³/ha/ano no mesmo período. Os números são explicados por um investimento de longo prazo em ciência, tecnologia, manejo dos plantios e uma visão profundamente orientada à sustentabilidade.



O setor intercala suas áreas de cultivo e conservação, formando mosaicos florestais a partir de manejo sustentável. Essas zonas se conectam criando corredores ecológicos, que favorecem a preservação da biodiversidade e auxiliam na manutenção dos serviços ecossistêmicos. Hoje, contamos com 9,93 milhões de hectares de área de cultivo, além de 6,73 milhões de hectares de mata preservada, uma extensão maior que o estado do Rio de Janeiro. Mais do que diminuir seu impacto sobre o meio ambiente, o setor vem há décadas construindo seus alicerces sobre a economia verde, mesmo antes da crise do clima adquirir a importância que carrega hoje no debate internacional.


Os produtos do setor são biodegradáveis, recicláveis e de origem sustentável, entre celulose, papel, painéis, livros, cadernos, tecidos, embalagens, fraldas e muitos outros — portfólio que vem aumentando dia a dia graças a investimentos em P&D. A celulose, por exemplo, já está presente em medicamentos, alimentos e mesmo nas roupas. Com origem nas árvores cultivadas, a viscose já representa 6% do mercado têxtil global, na esteira das fortes tendências por uma moda sustentável



Como parte de uma cadeia de reciclagem que envolve catadores, cooperativas, poder público e indústria, o setor trabalha pelo pós-uso responsável de seus produtos. O índice brasileiro de reciclagem de papel está em 69,9%. Quando consideramos apenas o papel para embalagem e papelcartão, 75,8% de todo o material é reciclado no país. Tais índices também refletem a ambição dessa agroindústria rumo à circularidade, em que produtos e resíduos fazem parte de um sistema responsável.



Aprofundando-se na rota da circularidade, o setor de árvores cultivadas também vem utilizando a biomassa florestal para produção de energia. Encarando a árvore como uma biorrefinaria, a indústria separa a fibra da lignina. A primeira dá origem à celulose, já a segunda é responsável pela rigidez e sustentação da árvore. A partir da lignina, o setor produz o licor preto, fonte da bioenergia que abastece nossas plantas industriais.



Abrindo uma fábrica a cada ano e meio, contamos com uma carteira de investimentos de R$ 67,4 bilhões até 2028, uma das maiores do setor privado brasileiro. Temos presenciado a materialização desses investimentos em empreendimentos, que geram emprego, renda e desenvolvimento sustentável aos mais de mil municípios brasileiros onde o segmento está presente.



É o caso do Projeto Cerrado, que dará origem a nova unidade da Suzano em Ribas do Rio Pardo (MS). Com inauguração prevista para o primeiro semestre de 2024, a fábrica terá capacidade de produção de 2,55 milhões de toneladas de celulose por ano. No total, a empresa está investindo R$ 22,2 bilhões no projeto, um dos maiores aportes da história da Suzano, que está em plena celebração de seu centenário.



O Projeto Figueira, a ser concluído este ano pela Klabin em Piracicaba (SP), dará origem a uma fábrica com capacidade de produção de até 240 mil toneladas de papel ondulado por ano. A fábrica contará com geração de energia solar, empilhadeiras elétricas e reaproveitamento de água da chuva. Além do Figueira, a Klabin inaugurou a segunda fase do projeto de expansão da unidade Puma, em Ortigueira (PR). Com investimento de R$ 12,9 bilhões, o maior já recebido pelo Paraná nos últimos anos, a conclusão das duas fases da unidade somou 910 mil toneladas à capacidade de produção anual de papel para embalagem da empresa.



Em Lençois Paulista (SP), a Bracell está colocando de pé uma nova unidade para produção de papel sanitário, com previsão de conclusão este ano. Na mesma área, a empresa inaugurou em 2021 a planta construída a partir do Projeto Star, resultante de investimento de R$ 15 bilhões da companhia. Trata-se de uma fábrica referência na produção de kraft e celulose solúvel.



Já a LD Celulose, joint venture entre a brasileira Dexco e a austríaca Lenzing, iniciou as operações de sua unidade no Triângulo Mineiro em 2022. Com capacidade para produzir 500 mil toneladas de celulose solúvel por ano, a fábrica já vendeu toda sua produção ao mercado externo em contratos de 25 anos.



Outra que anunciou novos investimentos no país é a Arauco em uma nova fábrica de celulose em Inocência (MS), com início das obras previsto para 2025.


Ao unir investimento em tecnologia, uso inteligente da terra, cuidado com as pessoas e respeito à natureza, o setor de árvores cultivadas estabeleceu, desde cedo, seu norte rumo ao futuro. Hoje, fornecemos nossos produtos a quase todo o planeta, a partir de uma cadeia produtiva rentável com um compromisso inegociável com a sustentabilidade.



Carregamos o imperativo desafio de lidar com a crise do clima, após décadas de acelerado progresso baseado nas fontes fósseis. As rotas rumo à sustentabilidade podem significar uma saída para a catástrofe, cujas bordas já se experimentam. Mas não se pode perder de vista que tais caminhos também delineiam contornos de oportunidade – seja a um mundo que atravessa profundos rearranjos econômicos, seja a um país como o nosso, onde o potencial para a economia verde pode se traduzir em pujante desenvolvimento socioeconômico a milhares de brasileiras e brasileiros.



Ou seja, podemos e devemos a partir da cabine de comando do presente aprender com os descaminhos e acertos do roteiro até aqui e, assim, reinventar o horizonte a que todos seguimos.



*Paulo Hartung é economista, presidente da Ibá (Indústria Brasileira de Árvores).
 

https://globorural.globo.com/opiniao/vozes-do-agro/noticia/2024/02/aprender-com-o-passado-reinventar-o-futuro.ghtml