30/10/2023

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Da árvore ao papel: como a maior floresta de pinus do Brasil impulsiona indústria de celulose

Árvore que leva 15 anos para crescer é transformada em papel em menos de um dia no Paraná. Entenda o processo.

 

Pioneiro em plantios florestais em larga escala, o Paraná abriga a maior plantação de pinus do Brasil e duas unidades da indústria que mais produz papel para embalagens no país.

 

Das árvores é extraída a celulose, a matéria-prima do papel. Dependente do que vem da terra, o setor investe pesado para garantir que as fábricas estejam sempre abastecidas com madeira de qualidade, vinda de pinus e eucalipto.

 

De acordo com levantamento da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (APRE), as árvores de pinus ocupavam mais de 713 mil hectares do estado em 2022, representando 37,1% do total plantado da espécie no país.

 

Somando aos 449,72 mil hectares de eucalipto, o Paraná soma 1,17 milhão de hectares de florestas plantadas - o equivalente a mais de um milhão de campos de futebol, quase 6% do território paranaense.

 

Essas florestas movimentam R$ 4,8 bilhões por ano, segundo dados de 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 

O montante perde apenas ao registrado em Minas Gerais, onde a produção anual de florestas plantadas gira em torno de R$ 7,5 bilhões. Porém, o foco dos mineiros é outro: os mais de 2,3 milhões de hectares de pinus e eucalipto plantados por lá produzem 87,7% do volume nacional de carvão vegetal.

 

As florestas plantadas também movimentam o mercado de trabalho. Segundo a APRE, em 2020, o Brasil apresentou pouco mais de 608 mil empregos no setor. No Paraná, foram mais de 100 mil.

 

Considerando apenas os empregos diretos, aqueles em que a pessoa tem carteira assinada exclusivamente para determinado fim, há mais de 42 mil trabalhadores voltados à produção florestal e à fabricação de papel e celulose no Paraná.

 

O número ainda não inclui trabalhadores de empresas terceirizadas e nem os envolvidos no transporte de madeira e do material pronto, por exemplo. A informação é do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), de agosto de 2023.

 

Toda a cadeia produtiva parte da matéria-prima. Considerando que o eucalipto leva pelo menos sete anos para se desenvolver a ponto de poder ser colhido e que, no caso do pinus, o tempo sobe para 15 anos, um dos principais pilares da indústria papeleira é o planejamento.

 

A estratégia do setor precisa ser traçada desde o plantio da árvore até a entrega do papel. O g1 conversou com especialistas do setor para entender como esse processo produtivo funciona.

 

Nesta reportagem você vai ver:

 

Onde estão os polos florestais do Paraná

 

Tudo começa no campo

 

Como a madeira vira papel?

 

Tecnologia é aliada

 

Equilíbrio com a sustentabilidade

 

Onde estão os polos florestais do Paraná Polos florestais do Paraná 

 

Os polos florestais estaduais ficam concentrados do centro para o leste do Paraná e concentram 85% dos plantios do estado, segundo dados de 2022 da APRE. Veja a lista de regiões:

 

Telêmaco Borba - 283.301,75 hectares de área plantada e mais de R$ 682 milhões de valor de produção;

 

Sengés

149.726,72 hectares de área plantada e mais de R$ 356,6 milhões de valor de produção;

 

General Carneiro - 139.657,39 hectares de área plantada e mais de R$ 1,37 bilhão de valor de produção;

 

Guarapuava - 119.512,83 hectares de área plantada e mais de R$ 622,2 milhões de valor de produção;

 

Vale do Ribeira - 114.668,35 hectares de área plantada e mais de R$ 592,4 milhões de valor de produção;

 

Ponta Grossa - 104.407,44 hectares de área plantada e mais de R$ 223,4 milhões de valor de produção;

 

Lapa - 82.469,61 hectares de área plantada e mais de R$ 411,4 milhões de valor de produção.

 

É no principal polo florestal do Paraná que ficam duas fábricas de papel da maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do Brasil: a Klabin.

 

Juntas, as unidades das cidades vizinhas Telêmaco Borba e Ortigueira , nos Campos Gerais, consomem mais de 15 milhões de toneladas de madeira por ano - o equivalente a uma média de 1.200 caminhões por dia, segundo Sandro Fabiano Ávila, diretor florestal da companhia.

 

A partir desse volume de madeira são produzidas mais de 3,5 milhões de toneladas de papel anualmente.

 

Toda a operação emprega cerca de 11 mil trabalhadores, de forma direta e indireta.

 

Para gerenciar todo esse processo, Ávila afirma que a floresta é pensada em três estágios: a preparação e plantio, a boa condução do cultivo e o planejamento integrado.

 

No primeiro, o foco é a pesquisa. No segundo, é o enfrentamento de possíveis problemas, como pragas, secas e cheias, por exemplo.

 

No terceiro, é pensar a produção como um todo - afinal, do plantio de uma muda até a colheita são pelo menos sete anos.

 

Tudo começa no campo O ciclo começa nas propriedades rurais. Uma delas é a de João Vedan, de 65 anos.

 

Ele possui uma propriedade em Curiúva , cidade a menos de 50 km de Telêmaco Borba, desde 1986. A área, de 80 hectares, sempre foi destinada à pastagem para criação de gado de corte - até ele e a esposa se mudarem para a propriedade, em 2007.

 

No ano seguinte, Vedan soube de um programa da empresa voltado a produtores florestais e, em 2009, começou a plantar eucaliptos em parte do terreno.

 

“Na época, o sistema pioneiro silvipastoril, que combina árvores, pastagem e gado, era pioneiro. Apostei nele e, com o passar do tempo, fui aumentando a área de florestas e diminuindo a área e a produção de gado. Hoje trabalho com o sistema de arrendamento com a empresa”, conta.

 

Atualmente, cerca de 60 hectares se transformaram em floresta plantada e apenas 20 hectares permaneceram para gado de corte.

 

Questionado sobre o porquê da troca de foco, Vedan afirma que o motivo é a garantia de dinheiro no bolso todo mês.

 

“Dessa forma temos a garantia da receita continuada; todo mês temos receita entrando, o que permite um planejamento mais adequado. O gado tem uma receita mais sazonal, cria desconforto nas atividades”, comenta.

 

Como a madeira vira papel? Após sair de propriedades como a de João Vedan e chegar às fábricas, a madeira leva menos de um dia para ser transformada em papel.

 

O diretor industrial da Klabin no Paraná, Ricardo Cardoso, explicou o “passo a passo” ao g1

 

Após colhida, a árvore é cortada em tora. Os galhos são destinados à biomassa, que gera vapor e energia. O tronco é descascado.

 

A maior parte do tronco vai para a fábrica de papel, mas a parte mais espessa da madeira é vendida para outros setores, como mercado moveleiro, construção civil e painéis.

 

Na fábrica papeleira, a tora é picada em pedacinhos de até 3 centímetros de comprimento, os chamados de cavacos.

 

Eles são cozidos em digestores, que funcionam como panelas de pressão. Nesse processo, são adicionados produtos que fazem o processo de separação das fibras de celulose contidas na madeira. O restante, chamado de licor preto, é destinado à formação de biomassa.

 

A partir daí, a pasta de celulose pode ser branqueada ou não, a depender do tipo de papel que ela vai se tornar.

 

Caso seja branqueada, pode ser utilizada para produtos como papel de escrever, papel higiênico, absorventes íntimos e fraldas, por exemplo.

 

Se continuar escura, a resistência do produto é maior e, por isso, pode se transformar em papel kraftliner, usado em caixas de papelão e demais embalagens e revestimentos.

 

A responsável por esse trabalho é a chamada máquina de papel. Ela também prensa a celulose para alisá-la em formato de folha. Assim, vai removendo a água e o que sobrar vai para secagem à vapor. O próximo passo são os processos de acabamento.

 

Máquina de papel em Ortigueira (PR) — Foto: Klabin/Divulgação

Segundo Ricardo Cardoso, todo o processo gera a própria energia e a que sobra ainda é vendida ao mercado.

 

“Com a queima de matéria orgânica, a biomassa, em caldeiras de recuperação, geramos vapor, que gera energia. Ela alimenta os nossos processos internos e pode também ser exportada para o mercado”, explica.

 

Atualmente, o índice de reaproveitamento e reciclagem dos resíduos industriais da fábrica é de 98,5%, afirma Julio Nogueira, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Klabin. A meta é que, até 2023, o índice chegue a 100%.

 

“Todo o volume de resíduos gerados nas fábricas de Telêmaco Borba e Ortigueira é processado na central de tratamentos de resíduos, que fica bem ao lado da unidade de Ortigueira. Quando não é possível a recuperação interna, os resíduos são destinados para reciclagem ou recuperação externas para parceiros”, afirma.

 

Parte desses materiais é transformada em insumos voltados à área florestal, fomentando o crescimento de novas árvores e a continuidade de todo o processo produtivo.

 

Tecnologia é aliada Apesar de o crescimento de árvores ser um dos ciclos mais antigos do mundo, a tecnologia é uma grande aliada quando o assunto é produtividade florestal.

 

Na Klabin, por exemplo, há uma torre de controle que permite à companhia monitorar a colheita, carregamento, transporte de madeira, pátios de armazenagem e alimentação das fábricas no Paraná.

 

O sistema de gestão online mede a produtividade dos equipamentos, tempos e movimentos.

 

Outra ferramenta em testes e que pode se transformar em um item básico no futuro é a detecção de formigueiros pela tecnologia SAR/RADAR, por meio do uso de radares embarcados em drone.

 

“A iniciativa é pioneira no mundo e tem como objetivo principal detectar ninhos de formigas cortadeiras, um dos principais grupos de insetos-praga do cultivo de florestas plantadas. O radar é embarcado em um drone não tripulado, que sobrevoa as plantações fazendo imagens do subsolo para, assim, identificar os formigueiros”, explica a empresa.

 

Equilíbrio com a sustentabilidade Enquanto o plástico leva 450 anos para se decompor na natureza, embalagens de papel levam apenas de 3 a 6 meses, segundo a Função Fiocruz - podendo ser uma opção mais sustentável, por exemplo.

 

Para garantir a sustentabilidade também no processo produtivo e o impacto dele no meio ambiente, o tema tem tratamento especial no setor.

 

Uma das formas de medir a evolução desses cuidados e a efetividade das técnicas utilizadas são as certificações, como explica a Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (APRE).

 

“De caráter voluntário, a certificação florestal tem como objetivo atestar a origem da matéria-prima e garantir que os processos utilizados pela empresa certificada seguem princípios legais, técnicos, ambientais e sociais de excelência. São avaliadas as atividades e as partes envolvidas desde a produção e a exploração da matéria-prima, passando pelo processamento e industrialização, até chegar ao item final”, detalha.

 

O principal selo do setor é o FSC CoC (Forest Stewardship Council - Cadeia de Custódia), que indica que toda a cadeia foi feita de maneira ambientalmente responsável, socialmente justa e economicamente viável.

 

Na visão de Julio Nogueira, gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente da Klabin, três iniciativas se destacam na operação florestal da empresa: as áreas de conservação, o sistema de plantio em mosaico e o conceito de hidrossolidariedade.

 

“Nós sempre temos florestas plantadas entremeadas com florestas nativas, em formato de mosaico mesmo, se você tiver uma vista olhando de cima. Esse modelo mescla as áreas florestais nativas conservadas com a floresta plantada, em diferentes idades”, explica.

Segundo Nogueira, isso fomenta a formação de corredores ecológicos.

 

“Nós temos 855 espécies de faunas e 1.968 espécies de flora identificadas em nossas propriedades. Fechamos o ano passado com 719 mil hectares de áreas totais, sendo 42% de áreas conservadas. A nossa obrigação legal é de 20% no bioma da mata Atlântica, então temos mais que o dobro”, detalha o gerente de Sustentabilidade e Meio Ambiente.

 

O conceito de hidrossolidariedade é baseado no equilíbrio entre a produção florestal e a disponibilidade hídrica.

 

“A Klabin analisa dentro do seu planejamento a área da colheita florestal com a compatibilidade com a produção, a manutenção de processos hidrológicos, a conservação da biodiversidade e com os serviços ambientais. Desta forma, a gente consegue integrar as diferentes necessidades de água às comunidades vizinhas ao ecossistema e também aos processos produtivos”, destaca.