10/03/2021

Pesquisa & Inovação

Inovar é caminho para reindustrialização, escrevem Hartung, Bertolucci e Razzolini

Avaliando a composição produtiva e econômica brasileira é latente o forte processo de desindustrialização das últimas décadas. Um exemplo marcante é o recente movimento da Ford de retirada do país, o que impacta empregos de 5.000 brasileiros e brasileiras. E este não é um caso pontual. Walmart, Fnac, Sony, entre outros, seguiram o mesmo caminho.

A fragilidade da indústria é fruto de problemas que já acompanham o país há anos como, por exemplo, insegurança jurídica, infraestrutura deficitária, como portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, energia e telecomunicações, além de um sistema tributário que necessita urgentemente de uma reforma para se tornar menos custoso para a atividade econômica. Todos esses elementos formam um ambiente de negócios inadequado, que afasta investidores e empreendedores.

Estes últimos anos já nos trazem a lição de que simplesmente apontar o dedo para a causa dos problemas não trará a solução. Precisamos cuidar desta ferida e utilizar remédios eficazes. Isto vale tanto para o setor público quanto para a iniciativa privada.

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Mesmo em um momento tão crítico como esse, temos dentro do próprio Brasil referências que podem iluminar um caminho para reindustrialização.

O setor de árvores cultivadas para fins industriais tem se destacado por sua atuação agroindustrial. Ao mesmo tempo em que o lado florestal tem avançado em produtividade e sustentabilidade, a face industrial tem dado passos largos rumo à indústria 4.0.

Em plena recessão, de 2016 a 2019, o setor realizou aportes de R$ 18 bilhões. Agora esse número quase dobra. Até 2023 são R$ 35,5 bilhões de investimentos em andamento ou anunciados na floresta, na indústria, em tecnologia e ciência. Resultado na veia deste movimento são os 4.000 postos de trabalho que o setor disponibiliza neste momento em todo o Brasil. É uma indústria com grande capilaridade, que tem zona de influência em cerca de 1.000 municípios, majoritariamente no interior, em áreas antes socialmente deprimidas.

Consolidada, a indústria de base florestal se destaca como a 2ª maior produtora de celulose do mundo e maior exportadora. Em 2020, mesmo em meio à pandemia, chegou ao 2º ano de maior produção da matéria-prima, com quase 21 milhões de toneladas fabricadas.

Nos últimos anos o setor abriu, em média, uma fábrica por ano. Atualmente está no pipeline a expansão ou inauguração de, pelo menos, 6 unidades em 4 Estados. Dali sairão bioprodutos para o hoje e para o amanhã.

Em Lages (SC), a Berneck está levantando uma nova unidade de painéis de madeira, para fabricação de móveis, item que se tornou ainda mais desejado em tempos de home office. Em Três Barras (SC), a WestRock está expandindo sua unidade fabril de papel embalagem. Klabin, em Ortigueira (PR), está expandindo seu projeto Puma, com a construção do Puma 2, uma nova linha completa de produção de celulose integrada à máquina de papel, a 1ª do mundo a produzir o Eukaliner, um papel para caixas de papelão com 100% fibras de eucalipto, produto fundamental durante este período de pandemia, devido ao avanço do e-commerce e do delivery.

Já a Bracell, em Lençóis Paulista (SP), em seu projeto Star, e a Duratex, no Triângulo Mineiro, por meio da LD Celulose, uma joint venture com a austríaca Lenzing, estão investindo na versátil celulose solúvel. Matéria-prima de origem renovável e que é alternativa à de origem fóssil, hoje tem como principal foco a produção de viscose, utilizada na confecção de tecidos para vestidos, roupas íntimas, etc. Seu avanço é exponencial e, no momento, já chega a representar 7% do market share global. Mas não para por aí. A celulose solúvel tem tornado mais verdes centenas de produtos como armação de óculos de acetato, esponjas para lavar louça, cosméticos, chegando a estar presente em cápsulas de remédio e até alimentos.

Determinante para a solidez deste setor é a visão para o amanhã, sobre como os seus bioprodutos serão a solução para pessoas e para o meio ambiente. A partir daí, tecnologia e inovação entram nos negócios impulsionando toda a cadeia.

A nanotecnologia está chegando para revolucionar a indústria. A conhecida celulose foi dividida em pequenas partículas, a chamada nanocelulose, que por sua escala nanométrica, assume novas propriedades que abrem uma floresta de oportunidades. Um exemplo claro é a nanocelulose fibrilar, ou celulose microfibrilada, que pode ser utilizada em fibras têxteis, utilizando uma quantidade significativamente menor de água em relação a outras fibras atualmente disponíveis no mercado.

Duas ações trazem para a prática o que esta indústria é capaz. Recentemente a Suzano e a startup finlandesa Spinnova anunciaram parceria com investimento de 22 milhões de euros para levantar uma unidade fabril no país nórdico, com foco exclusivo em fibras para tecido utilizando a celulose microfibrilada como matéria-prima. Também vale mencionar o rápido trabalho entre Klabin e Embrapa, que, no início da pandemia, desenvolveram o espessante para o álcool em gel a partir da nanocelulose fibrilar substituindo o carbômetro, que naquele momento estava em falta.

A liginina é mais um elemento que dá luz para os avanços em pesquisa e inovação deste setor. Basicamente a madeira tem cerca de 70% de sua composição em fibras, que dão origem à celulose e à hemicelulose. O restante, em torno de 30%, trata-se da lignina, uma molécula que tem a função de dar aderência às fibras, o que confere a rigidez das árvores. Até então, a lignina era utilizada para geração de energia limpa nas unidades fabris do setor. Mas por meio de ciência, identificou-se que é possível agregar valor e tornar esta molécula uma aliada do futuro. Há estudos sendo conduzidos para que ela possa substituir matérias-primas de origem fóssil em resinas, borrachas, termoplásticos e, no futuro, até em fibra de carbono, utilizada em automóveis, aviões, entre outros.

Atender aos anseios de um amanhã melhor para todos está na raiz deste setor. Ao mesmo tempo em que planta, colhe e replanta para fins comerciais –atualmente são 9 milhões de hectares de árvores cultivadas– mantém 5,9 milhões de hectares de áreas para conservação entre APPs (Áreas de Preservação Permanente), RPPN (Reservas Particulares do Patrimônio Natural) e AAC (Áreas de Alto Valor de Conservação) e RL (Reserva Legal).

O trabalho correto da cadeia é certificado por selos de internacionais, como FSC (Forest Stewardship Council) e PEFC/Cerflor (Programme for the Endorsement of Forest Certification). Estes selos atestam o manejo adequado no campo e trabalho em sinergia com as comunidades vizinhas. Trata-se de um setor voluntariamente certificado há mais de 20 anos, que hoje possui uma área de 7,4 milhões de hectares com estas chancelas.

Há muitos anos esta agroindústria está imersa no tão atual conceito ESG (ambiental, social e governança). Seu modelo de negócio é orientado pela bioeconomia, com matéria-prima de origem renovável, investimentos na mitigação dos impactos do processo fabril, além de gerar mais de 5.000 bioprodutos ou subprodutos, como celulose, embalagens de papel, tecidos, lenços, papel higiênico, fraldas, máscaras, móveis de madeira e pisos laminados, essenciais para a vida humana.

Fortalecer o setor industrial para que o torne dinâmico e competitivo é uma das vias para que o país possa retomar à prosperidade. Estamos convictos de que manter a inovação e a sustentabilidade, baseadas nos pilares ambiental, social e econômico ativos e em alta são a saída para uma indústria nacional resiliente e atrativa. Temos capacidade de fazer uma nova economia de baixo carbono, com setor industrial competitivo e que gera oportunidades aos brasileiros. Precisamos transformar este potencial em realidade.